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    Bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer, mal-me-quer… quem nunca brincou com uma margarida na época da infância? Brincadeiras à parte, aqui, as margaridas têm nome, são as mulheres que trabalham auxiliando a limpeza e a manutenção da cidade.

    De acordo com o jornalista Eliomar de Lima, o apelido margarida foi dado no início da década de 70. As pétalas brancas significam a limpeza, e a flor representa a mulher. Além dessa explicação, em sua composição, marGARIda contém a palavra gari. Com isso, a sociedade da época incorporou o termo rapidinho. Já a palavra gari, acredita-se que a origem vêm de uma homenagem ao francês Aleixo Gary, que se destacou na história da limpeza da cidade do Rio de Janeiro. Em 11 de outubro de 1876, Gary assinou um contrato com o Ministério Imperial para organizar o serviço de limpeza da cidade, que fazia a retirada de lixo de casas e praias.

   

    Existem, em média, 800 pessoas que trabalham com a coleta de resíduos sólidos e com a limpeza urbana todos os dias em Florianópolis. São 800 cidadãos diariamente espalhados por toda a ilha vestindo o uniforme azul, verde ou laranja. Mas aí eu paro e te pergunto. Quantas dessas pessoas você enxerga na sua rotina?
    É só por causa desses cidadãos que podemos viver em um ambiente limpo e agradável. Ao jogar o lixo em uma lixeira pública, em casa ou, até mesmo, no chão, não se pensa para onde aquele resíduo vai ou por quem ele será levado. “É como se simplesmente o lixo desaparecesse das lixeiras. Uma parte muito grande não liga, joga o resíduo e nem se toca que alguém vai ali buscar. A maior parte não se dá conta do trabalho dos profissionais da limpeza e coleta”, relata Ana Paula Lima, fotógrafa que realizou o trabalho “Cidadão Invisível - a invisibilidade do outro” no ano de 2015 e acompanhou por um mês a rotina de garis.
   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   Em sua exposição em um dos shoppings da cidade, as pessoas olhavam e perguntavam de que país as mulheres eram. “Quando eu falava que eram garis e margaridas, as pessoas ficavam incrédulas. Ouvi um dia, ‘não pode ser mulher tão bonita assim’. Comprovei com isso, que a gente realmente não consegue ver essas mulheres”, conta Maristela.

    Apesar da invisibilidade, esses cidadãos são responsáveis por um serviço extremamente difícil. Cada um dos funcionários se orgulha de fazer parte da empresa. “A questão de discriminação não está com elas, está com a gente. Porque elas gostam do emprego e se sentem valorizadas, a gente que não valoriza”, afirma a fotógrafa Maristela. Ana Paula concorda com sua colega de profissão, “A alegria com a qual eles tratam a profissão me surpreendeu. Todos os grupos que eu acompanhei estavam sempre bem humorados, trabalhando com dedicação e orgulho e se sentindo bem naquilo que faziam. Eu tinha um outro ponto de vista, mas todos eles têm muito orgulho de estar ali e trabalham com muito bom humor”.
    Mesmo que realizem o serviço com o sorriso no rosto e o orgulho no coração, “nenhum dos garis ignora o fato de que são vistos de forma rebaixada. Eles têm plena consciência do que passam e porque passam. Todos eles conhecem e refletem sobre essa condição”, alega Fernando.
    Ana Paula acredita que esses profissionais deveriam ter voz mais ativa e poder opinar em assuntos que englobam os problemas da cidade, já que eles têm um olhar diferenciado da sociedade por estarem diariamente no meio das ruas. Valéria Ferreira Delfino, auxiliar operacional da Autarquia de Melhoramentos da Capital Comcap, acredita que pode contribuir com diversas campanhas de conscientização caso seja consultada, “a gente está diariamente nas ruas, sabe quais resíduos são mais descartados, onde são e em que lugar tem mais bituca de cigarro, por exemplo”.
    O trabalho das fotógrafas Maristela e Ana Paula é exatamente esse: aproximar a comunidade dos e das profissionais da limpeza, gerar responsabilidade nos demais cidadãos, dar visibilidade para quem eles realmente são e com o que podem contribuir. “Tem gari que tem projetos sociais. Eles são muito conscientes daquilo que eles fazem para a comunidade”, comenta Ana Paula. 

    Aqui em Florianópolis, Santa Catarina, no ano de 2019, a Autarquia de Melhoramentos da Capital (Comcap) possui cerca de 270 mulheres registradas profissionalmente como auxiliares operacionais e 9 como garis. Assim como as margaridas, todos os dias essas mulheres se adaptam a vários tipos de solo, desempenhando a função de varrer trechos específicos, recolher resíduos diversos e fazer a limpeza do município. Os horários são divididos por turnos, de segunda-feira a sábado, sendo: das 07:00h da manhã até 13:00h; das 13:00h até 19:00 e da meia noite até 05:45h.   

    Quando não estão uniformizadas, elas são Denises, Elaines, Lucianas, Valérias. Quando estão nas ruas e vestindo seus uniformes, elas não são. Recebem uma espécie de apagamento por parte da sociedade, não sendo reconhecidas e muito menos valorizadas. Nesse ambiente de trabalho, aos olhos do dia e da noite, a invisibilidade se torna visível.

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Margaridas andam sempre com essa lixeira em suas rotas

    Mais do que não pensar nesses profissionais, a sociedade não os enxerga, mesmo quando está literalmente do lado. Fernando Braga da Costa, autor do livro “Homens Invisíveis: Relatos de uma humilhação social”, revela que o que acontece é uma “cegueira psicossocial, porque os garis estão ali, vivos, de carne e osso. E é inclusive por isso que a cidade está limpa. As razões dessa cegueira têm a ver com as condições históricas sociais, muito antigas, mesmo antes de haver a profissão de gari”. “Nas ruas você pode até perceber eles de fora, mas não vai observar o que tem embaixo do boné, qual a cor dos olhos, da pele”, complementa Maristela Giassi, fotógrafa do projeto “Um clique, muitas histórias” do ano de 2015, que retratou mulheres que trabalham com a limpeza da capital catarinense.   

 

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Na imagem Valéria Delfino, fotografada por Maristela Giassi

Retranca

O JARDIM DAS MARGARIDAS

    Para trabalhar como gari ou auxiliar operacional, é necessário prestar concurso. Os cargos são anunciados previamente e o candidato deve se inscrever naquele que planeja trabalhar. Em relação ao gênero, não há separação entre os concursados: “a vaga é assim: se a gente tem 50 vagas para gari, então quem passar nas 50 vagas é contratado para gari, não tem definição de sexo”, explica a gerente do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), Cléria Wink Dias. 
    Com preconceitos repetidos pela sociedade, “muitos dizem não serviu para nada, vai ser gari”. Mas, afinal, o que não sabem, ou não consideram, é que “cada uma vence milhares de candidatos. Para fazer isso, você tem que estudar.”, explica a fotógrafa Maristela Giassi sobre os julgamentos da profissão.
 

    Há diversos cargos a serem escolhidos para o concurso da autarquia. Garis trabalham, especificamente, com os caminhões de coleta convencional ou seletiva, para o recolhimento de resíduos. As auxiliares operacionais, que englobam margaridas e outras profissionais, são responsáveis pela varrição, roçagem e limpeza das praças e calçadas. Segundo o presidente da empresa, Márcio Luiz Alves, a Comcap é responsável por tudo que envolve a limpeza pública, “varrição, capina, limpeza de valas, de córregos. Nós temos poda de árvores, roçagem. A frota é muito grande. Tudo que é limpeza... Pintura. Concerto de prédios. A gente faz a limpeza da cidade.”    

    No caso do serviço de gari, o contato frequente com agentes nocivos, leva o índice de insalubridade do cargo a 40% - grau máximo conforme estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho, regulamentada pelo Ministério do Trabalho. Em comparação com outras vagas, que são de carga horária de seis horas diárias, sua carga é de oito horas.

    As outras vagas da atividade operacional apresentam menor índice de insalubridade - por não terem contato direto com substâncias nocivas à saúde. Portanto, a remuneração dos garis leva em conta o salário base, o adicional de insalubridade e das oito horas trabalhadas. Este fator torna uma das funções, da atividade operacional, melhor remuneradas na Comcap. 

MARGARIDAS DESPEDAÇADAS

    A Autarquia de Melhoramentos da Capital Comcap possui 45 anos de história e, desde sua criação, foi e ainda é uma empresa majoritariamente masculina. Nesse espaço, as mulheres precisam lutar por direitos e protagonismo na profissão de agentes da limpeza. Seja no cargo de garis, varrição ou no meio administrativo, elas ainda são minoria. Porém, isso não impede que a Comcap realize alguns projetos para cuidar da saúde dessas mulheres. 
    Na autarquia, existem serviços médicos em que os funcionários precisam fazer um check up uma vez por ano. Mas os acidentes de trabalho fazem com que os trabalhadores procurem com maior frequência o centro de saúde da Comcap. Cléria Wink, gerente do SESMT, afirma que em mulheres que trabalham no caminhão da coleta, o maior incidente é a torção do pé, por estradas irregulares, e cortes: “a população ainda não aprendeu exatamente como embalar pérfuro cortante, como embalar vidro quebrado e tudo o mais. Então, muitas vezes, largam no saquinho e jogam no lixo, mas esquecem que têm pessoas que podem se machucar”. Para as meninas da varrição, os maiores problemas são musculares pelo esforço repetitivo. 
    Quando acontecem acidentes mais sérios, o INSS pode fazer uma readaptação da funcionária, realocando-a para uma outra função. Outra medida da autarquia é destinar as mulheres em período de gestação para uma função mais leve, caso estejam em cargos de risco. Após o período gestacional, a mãe volta para o sua antiga função.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   Todas as consultas médicas contam com o sigilo médico-paciente. Por essa razão, muitas mulheres aproveitam esse espaço para expressar algum problema, como assédio e abuso. Ainda assim, a Comcap vem criando projetos de apoio à mulher para incentivá-las a dialogar mais sobre esses assuntos. 
    Quando uma funcionária da Comcap sofreu feminicídio, em maio de 2019, Márcio Luiz Alves, presidente da autarquia, considerou imprescindível criar uma iniciativa de auxílio para as mulheres. “Não foi em horário de trabalho, mas isso nos trouxe uma preocupação muito grande sobre a violência contra a mulher e fizemos um projeto no sentido de explicar para as mulheres o que tem que ser feito, quais as garantias que elas têm, o que a legislação prevê e quais os mecanismos que o poder público dispõe para protegê-las”.
    A partir de palestras e conversas, o intuito é conscientizar mulheres que qualquer tipo de violência é inaceitável e deve ser denunciada. Alguns dos encontros também envolvem homens, pois, segundo Márcio, eles devem entender que a violência contra a mulher é crime. Antes, diversos funcionários não sabiam que havia uma equipe de assistência social na autarquia e, com trinta dias da iniciativa, os resultados já apareceram.  Muitas mulheres passaram a participar mais e procurar atendimento da equipe.
    Por muitas mulheres estarem buscando algum apoio, em 2018 foi criada uma iniciativa exclusivamente para elas. O grupo, chamado “Mulheres e Vivências”, tem o intuito de juntar as trabalhadoras que demonstraram interesse em discutir sobre assuntos como: assédio, depressão, tristeza e, até mesmo, para serem orientadas no cuidado dos filhos. O encontro acontece uma vez por mês no período de duas horas, esse tempo faz com que as meninas se sintam à vontade para discutir suas aflições, com a participação de assistente social, psicóloga, técnica de enfermagem e médica. Maria Tereza, a assistente social, compartilha que em questões mais sérias como agressão, a medida da empresa é encaminhar para a delegacia da mulher.  
    No ambiente de trabalho, há relatos de mulheres que sofrem com preconceito, desrespeito, assédio verbal ou corporal. Nestes casos, quando a denúncia é informada e ocorre entre colegas de trabalho, a Comcap abre uma sindicância para a situação ser apurada e devidamente punida. A averiguação é realizada por uma comissão interna que envolve o chefe de departamento de recursos humanos, um advogado, entre outras pessoas. São ouvidas as partes, os colegas de trabalho e quem mais estiver envolvido. Quando chega para a administração algum relato de qualquer que seja o abuso, a sindicância é aberta na hora e seu julgamento pode durar dias ou chegar até a semanas. Os processos podem acarretar em demissão do funcionário, mudança do local de trabalho, medidas protetivas e outras punições.

O PERFUME DAS MARGARIDAS

   No decorrer dessa reportagem você vai conhecer melhor as margaridas: Denise, Elaine, Luciana e Valéria. 7, 7, 9 e 12 anos trabalhados na Comcap. A representatividade dessas mulheres na sociedade é fundamental. Quantas delas ainda existem e resistem nesse mundo?

   

   Acordar cedo, percorrer quilômetros por dia, se deparar com pessoas que jogam bituca de cigarro no chão, machucar a mão com objetos pérfuro-cortantes encontrados em saquinhos comuns. Ossos do ofício? Não. Descaso de uma parcela da população? Sim. Essas são algumas das coisas que as margaridas encontram na profissão da limpeza em Florianópolis. Mesmo por trás desses aspectos, as quatro mulheres afirmam que é gratificante trabalhar com o que escolheram, todas se orgulham da profissão que exercem e do significado que isso promove na realidade em que vivem. 

   

   No coração de Floripa tudo acontece, elas se encontram, se desencontram, a convivência é estabelecida conforme a quantidade de dias que permanecem em um local. Na palavra dessas mulheres, o trabalho é cansativo, mas como se fossem flores, as meninas trabalham com amor e delicadeza para deixar a cidade agradável e harmoniosa, como um jardim de casa.

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Nós preparamos um quiz para você de acordo com as repostas das 4 margaridas desta reportagem. Clique na imagem ao lado e descubra qual delas você é! Depois volte aqui e conheça realmente quem elas são.
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Conheça a Luciana

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